Editorial: apatia, preguiça, alienação e outras drogas.

Diz aí: qual foi a última vez que você foi ver um filme ou peça sem ter lido uma crítica ou comprou um livro sem ter visto resenha ou ouvido recomendação de al­guém? Quantas vezes você foi ao restaurante da moda? Sobre quantas pessoas você formou uma opinião sem ser influencia­do pelo que delas disseram seus amigos? Quantas vezes você achou uma resolução política idiota ou um programa de TV es­túpido? Das entrevistas que você ouve ou lê, em quantas você pa­rou pra se perguntar: "Será que esse cara tá certo?". Ou, ainda: "Será que ele tá dizendo a verda­de?". Em suma: qual foi a últi­ma vez em que você pensou? (No sentido amplo da pala­vra, de inquirir, duvidar, fil­trar e chegar às próprias conclusões, sozinho.)

Se você é como a maioria, deve fazer algum tempo. E não se está aqui ofendendo ninguém nem lhe puxando a orelha: vivemos em uma sociedade em que pensar não é só desnecessário, como perigoso.

Há uma seleta minoria que é paga pra pensar pelos outros. Gente que lhe diz o que vestir, o que comer, aonde ir, o que fazer com seu tempo livre, de quem gostar etc. A palavra dessas pes­soas é canônica e, em vez de ser­vir como mero auxílio no exercí­cio fundamental do ser humano raciocinar -,o oráculo dos pen­santes acaba substituindo a capacidade de discernimento individual. Era pra ser bengala pra casos raros, virou cadeiras de rodas constante. Pra ser cartesiano, "Cogito, ergo sum", disse Descartes:"Penso, logo existo", Não penso, logo não existo. Ou, pelo menos, "no mucho".

Há então que se per­guntar como é que che­gamos ao ponto de ser uma sociedade em que não se pensa, vivemos um esti­lo de vida conducente à irreflexão. O homem moderno foi amesquinhado; trabalha feito um doido atrás de uma ascensão social que raramente vem; seu tempo é gasto em salas, reuniões, despachos, uma corre­ria sem fim. Seus dias se repetem, sua vida não se altera: é uma su­cessão infinita de tarefas, sem nunca formar uma obra. E, como dizia Paulo Freire, "esmagado pelo tempo": não se situa, não se encontra; é objeto, e não su­jeito de sua vida, Desse homem amesquinhado, que ganha pouco, so­fre muito, passa horas sacolejando em ônibus e ainda tem de cuidar do sarampo do fi­lho quando chega em casa, não se pode esperar energia ou disposi­ção para o exercício do pensa­mento. Perde-se, então, no lazer fácil, nas diversões inebriantes, mas que não constroem coisa ne­nhuma: novelas de TV, filmes de ação etc.

Como a sociedade lhe exige a felicidade, ele se contenta com o que vem à mão. Já que o cenário que o oprime lhe parece compli­cado e alheio demais pra ser mu­dado por meio de sua ação indivi­dual, ele recolhe-se ao papel in­significante que lhe foi prescrito e segue o barco pegando o repuxo das idéias dos que se salvaram do naufrágio.

Não fizesse assim, aliás, estaria em perigo. Primeiro, pela parte logística: uma hora a mais de re­flexão significa uma hora a me­nos para cuidar do concreto (em­prego, família, amigos etc.), o que pode acabar em demissão, divór­cio ou outro bicho desses, cruz credo, virge santíssima. Segundo, por ir contra o socialmente dese­jável: pensar requer introspecção, solidão, reclusão. Comportamentos associados com a triste­za, a depressão, a incapacidade, social — faltas intoleráveis em um ambiente onde refugiar-se é inadmissível (e, de mais a mais, inútil, já que o próprio homem não pode contar com sua melhor companhia que é uma cabeça ativa).

Por último, pensar é perigoso porque incita rebeldia: qualquer um que analisar certas estruturas, posicionamentos e declarações verá que abunda por ai quantidade imensa de estultices, mentiras o safadezas, que, quando descobertas,"são intragá­veis, Melhor é nunca morder a maçã da sabedoria, pois nos tem­pos que correm, desde Eva, o pa­raíso é a inconsequência, o não-se-importar, o não-se-incomodar e o não-agir, o que pressupõe o não-pensar, "y así pasamos los dias". como os patos pra foie gras com a goela aberta recebendo a porcaria que vem de cima até o dia do abate. Ou da explosão do fígado.

Autor Desconhecido

PS.: Escrevi o editorial desse mês que tem a mesma essência desse texto. Como minha autocrítica é aguçada, um momento antes de postar, encontrei esse texto que expressa de forma mais clara e sarcástica o que eu queria dizer.

Março, 2012.

Walter A.
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