MÚSICA: SELVAGENS À PROCURA DE LEI

- Selvagens Á Procura de Lei
- Homônimo
- Universal Music, 2013





Deparei-me com essa banda surpreendente de maneira não ortodoxa nos dias atuais [sou do tempo da Rock Brigade, Bizz, Revista 89, tc. ]: nada de blogs, sites de música, redes sociais... Lendo a lista de bandas que participariam do Lolapalooza Brasil deste ano percebi destacar-se em meio à multidão aquele nome intrigante ao passo de ser também por demais criativo. Imaginei que se o nome o nome era bom o som poderia ser também. Tentei acha-lós em meio aos shows transmitidos pela tv por assinatura sem êxito. Diferentemente de outras ocasiões, aquela banda ainda desconhecida martelava em minha mente clamando por uma pesquisada e uma possível audição. Segui à procura dos Selvagens...

E não foi difícil encontrá-los mesmo camuflados no underground cearense. Formado por Nicholas Magalhães (bateria), Rodrigo Brasil (baixo), Gabriel Aragão (voz e guitarra) e Rafael Martins (voz e guitarra). Apesar de ser composto por jovens, o grupo já tem rodagem considerável no circuito de shows independentes mais relevantes do país. Desde o primeiro ep, Talvez Eu Seja Mesmo Calado, Mas Eu Sei Exatamente O Que Eu Quero em 2010 os garotos de Fortaleza vem construindo uma carreira marcante, de bases bastante sólidas, coisa rara hoje em dia onde tudo evanesce rapidamente. Lançaram o primeiro cd em 2011 de modo independente sendo vendido (melhor qualidade ) ou distribuído gratuitamente pelo próprio site da banda - sapdl.com

Com seu som autêntico, estruturado em grandes ícones do rock como as bandas brasilienses como Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial,  Peble Rude tanto esteticamente quanto ideologicamente. Do lado de lá, lembra-se as bandas de Seatle com menos sujeira mais um rebuscamento que lembra o Led Zeppelin nas suas linhas de piano e teclados; a riffs inspirados no Nirvana como também melodias à la Beatles... Algumas canções revelam a idade dos integrantes [todos na casa dos 20 anos] emulando bandas recentes como The Strokes e Arctic Monkeys. Tudo isso de maneira altamente autoral, sem soar caricatura borrada de ninguém muito menos regionais/bairrista, resplandecendo a competência, talento e compromisso com a arte de alta qualidade.

Como não poderia ser, com tamanha dedicação um grupo que comungava dos mesmos objetivos como os Selvagens... não poderia demorar em alcançar repercussão nacional, fato esse que começou a materializar-se na assinatura com uma gravadora e com o lançamento do segundo disco, intitulado laconicamente de Selvagens À Procura de Lei. Continuando sua caminhada rumo ao reconhecimento, a banda compôs um grande disco. Todas as influências que citei acima, tomaram corpo nesses anos de estrada e fluíram naturalmente para novas canções maduras, compostas de letra e músicas acima da média que vem sendo produzida a anos no Brasil.

As letras da banda são desconcertantes, contundentes sem ser agressivos em demasia. Dessa raiva controlada, emanam momentos de pura violência sonora de bateria cadenciada e as adoradas distorções alternados com melodias calmas de piano e violão sem perder a consistência estética. Todas as faixas do disco são ótimas, com destaque para "Brasileiro" belo cartão de visita, canção de grande influência da Legião Urbana e do grunge tem em sua letra grande sarcasmo com a posição social indolente dos brasileiros diante de um país governado por políticos sangue-sugas: "(...) Futebol e cerveja é mesmo fantástico / Ta na Folha / No Povo / No Eclesiástico / Utopia pra você / Radio e tv para tia / Nossos heróis de verdade morreram por covardia / Porque eu sou brasileiro / Meu ano só começa quando passa fevereiro / Pobre, rico ou classe média / Levante a mão quem já sentiu puxar a sua rédea / Nas prisões eles traçam planos de fuga / Enquanto suas esposas puxam as rugas / 
De filhos a herdeiros, sanguessugas / A nação que corre com passos de tartaruga (...) ". O que facilita a identificação com rock engajado de Brasília dos anos 80 é o fato macabro de os problemas nacionais além de serem os mesmos, agora estão maiores do que nunca. 
Em "Sr. Coronel" o mote da canção é espiar antigos demônios entre pai e filho de maneira muito madura ao som do piano: "(...) E quando você diz que nada é mais o mesmo sob o céu / Você mente, sr. Coronel / Você é muito bem letrado / Leu livros e tratados / Dançou a valsa dos coroados / Teve amigos influentes no magistrado / Já rodou os quatro cantos da terra / Mas hoje vive no escuro de uma caverna / Porque lá é o seu lugar / Lá é o seu quartel / Não é mesmo? / Sr. Coronel (...)". 
Já "Massara" estampa o bom e velho rock and roll com guitarras dobradas de riff vigoroso e letra cortante: "(...) Não sou da sua praça, eu sou sem graça, eu admito / Não vou ao seu encontro, eu não sou da sua tribo. / Seu filho está na serra e o meu na favela / Seu filho faz direito e o meu faz a guerra / Meninos de rua, cidade 2000: Somos a praia do futuro do Brasil. (...)". E o disco segue de maneira irretocável sua caminhada sonora altamente agradável com canções não menos importantes como "O Amor Existe, Mas Não Querem Que Você Acredite ": (...) Eu te protejo contra você mesmo / Te carreguei, suportei teu peso, junto ao meu / Tudo o que acontece nessa vida / Não tem nenhuma garantia / Você precisa tomar cuidado, cuidar de si / O mundo pode ser perigoso, eu sei / Que você já sabia mais eu ainda / Preciso te contar das pessoas / De alma bem pequena / Que querem te ver de joelhos / Mais não se engane, não / O amor existe, só não querem / Que você acredite! (...).
"Mucambo Cafundó" continua destacando a verve rockeira de riffs distorcidos e levada grunge destilando estrofes do tipo: "(...) E o que você diz entender / Eu fico louco em saber / Que o futuro é um precipício / E aqui ninguém se importa tanto com Mucambo Cafundó / Ninguém está tão pesado esperando o pior / Fortaleza 3:15, assim eu rondo a cidade / E a cidade à noite ronda a mim / O dia mais honesto cada vez chega mais tarde / Nós moramos no país do futuro / Sob o mesmo céu, erguemos nossos muros (...)". Não vou estragar toda a surpresa desse verdadeiro álbum de rock como a muito não vinha sendo lançado. Entre no site dos caras, baixe ou compre as músicas e concorde comigo.

*Discografia: Talvez Eu Seja Mesmo Calado, Mas Eu Sei Exatamente O Que Eu Quero, 2010 EP; Suas Mentiras Modernas, 2011 EP; Aprendendo A Mentir, 2011; Lado C Single, 2011; Selvagens Á Procura de Lei, 2013.


Walter A.
tempo_moderno@hotmail.com / facebook.com/Walter_blogTM

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