SÉRIE: CHERNOBYL

Chernobyl, 2019. Temporada única [HBO].
DireçãoCraig Malin
Elenco: Jared Harris, Emily Watson, Stellan Skarsgård



Considerada por muitos (tanto telespectadores quanto críticos num raro lampejo de concordância) a melhor série já feita. Abordando um fato real com uma recriação de época e fotografia esbanjando excelência em termos técnicos e com um corpo de atores igualmente excepcional dando vida a um roteiro muito bem acabado, Chernobyl é um retrato fiel, um recorte da realidade que extermina sistematicamente seres humanos em nome de uma ideologia. Mas o que diabos a política tem a ver com uma "fatalidade"? O fato é exatamente esse e a série tem todos os méritos por mostrar de maneira quase didática que a tragédia radioativa foi tudo [erro humano, falha técnica, etc.], menos uma fatalidade.

Reproduzindo fielmente a cidade projetada para abrigar os trabalhadores da usina nuclear, Pripryat na URSS (atual Ucrânia), a produção mostra um regime que se alimentava da mentira e da força bruta para sobreviver. A Usina Nuclear de Chernobyl era o reflexo do Estado Soviético (mais uma utopia socialista/comunista na conta dos grandes erros que ceifam milhões de vidas inocentes da História) desmoronando diante da realidade já impossível de esconder do mundo seus assassinatos, expurgos, exílios de pessoas que pensavam diferente do regime soviético que fingia ser o que não era (1º mundo). Na madrugada de 26 de abril de 1986. a verdade iniciou seu caminho da liberdade de maneira macabra: o reator 4 explode, dando início ao envenenamento de milhões de pessoas em vários países da Europa Central e Escandinávia. 

Durante seus 5 episódios acompanhamos a história de um dos primeiros bombeiros a chegar ao local da explosão - demonstrando os efeitos devastadores da radiação para o corpo humano - dos engenheiros que estavam a trabalhar na hora, dos políticos comunistas que tentavam a todo custo livrar suas peles e seus cargos no partido comunista ao mesmo tempo que tentavam esconder do mundo que possivelmente haviam envenenado milhões. A série mostra que muitos deles, sem capacidade intelectual para ocupar os cargos importantes que ocupavam, não faziam ideia do tamanho do mal que resultou de uma junção de erros humanos e máquinas mal projetadas. A frase do cientista Valery Legasov (Jared Harris) explicando em julgamento o motivo das máquinas (reator RBMK) terem uma construção que permitiu uma explosão daquela magnitude expõe bem o mundo corrupto e sem compromisso com o povo que a URSS havia criado: "era mais barato fazer desse modo". 

Existem séries que marcam época. Para que o clichê não fique isolado, lembremos de Seinfeld (marco na comédia), Breaking Bad (marco no drama/ficção). Game of Thrones (ficção/aventura), etc. Chernobyl certeiramente terá seu lugar talhado ao lado desses ícones pós-moderno da teledramaturgia. O fato marcante é que Chernobyl possui apenas uma temporada única. Imperdível.

PS. Uma vez que concordamos com um texto publicado na grande mídia, abaixo reproduzimos o texto sobre Chernobyl do crítico de cinema do site UOL, Roberto Sadovski.
Walter A.
tempo_moderno@hotmail.com

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Melhor série em anos, Chernobyl aborda o horror causado pela ignorância...*

*retirado do Blog do Sadovski


Lembro quando o desastre da usina nuclear de Chernobyl ganhou as manchetes, mais de três décadas atrás. A verdade sobre os motivos que causaram o maior acidente nuclear da história sempre foi mantida atrás de um véu de mentiras, burocracia, intimidação e o jogo de poder que nem o fim da Guerra Fria encerrou. Chernobyl, série criada por Craig Mazin para a HBO, dramatiza os acontecimentos a partir da noite em que um dos reatores da usina explodiu, envenenando tudo a seu redor com a fúria irrefreável da radiação. É uma reconstrução que, embasada em muita pesquisa, tenta ao máximo iluminar seus personagens e seu cenário, buscando não apontar culpados, mas entender que, naquele contexto, uma tragédia era questão de tempo. Tudo por conta da mão pesada do Estado. 


A série concentra-se em um trio de protagonistas. Valery Legasov (Jared Harris) era diretor do Instituto Kurchatov, e foi trazido para encabeçar as forças de emergência após o desastre. A seu lado, o burocrata Boris Shcherbina (Stellan Skarsgård), presidente do Conselho de Ministros do Estado Soviético. Estes são interpretações de pessoas reais que trabalharam em torno do evento, ganhando um terceiro vértice na física nuclear Ulana Khomyuk (Emily Watson), única personagem fictícia da série, uma amálgama de vários cientistas que trabalharam para desvendar os mistérios do acidente. O texto de Mazin ganha fôlego não só com o elenco espetacular, mas também com a magistral reconstrução de Chernobyl e seus arredores, como a cidade de Prypiat, evacuada após a destruição do reator. Além disso, o texto também resvala em coadjuvantes que tiveram sua vida irremediavelmente destruídas pelo desastre, de bombeiros que trabalharam para apagar o fogo imediatamente após a explosão que expôs o núcleo radioativo da usina.



Mas não pense que Chernobyl é uma série semi documental, uma tentativa de "humanizar" os acontecimentos e encontrar algum herói com todas as respostas. Seus cinco episódios, se forem categorizados em um gênero, revelam uma história de terror incômoda em diversos níveis. Terror físico, ao mostrar os efeitos da radiação nos homens que foram expostos de imediato às consequências da explosão – bombeiros e técnicos de Chernobyl, que em questão de dias sentiram uma dor inimaginável enquanto seus órgãos internos, sua pele e sua vida derretiam ante a degeneração celular causada pela contaminação. Terror moral, quando soldados em total ignorância respondiam a ordens para evacuar cidades e vilarejos em um raio de até 200 quilômetros em torno da usina, arrancando a população de seu lar e eliminando à bala toda vida animal – doméstica e selvagem – que ficaria para trás. O pior, contudo, era o terror implícito ia ignorância do Estado Soviético, que demorou a agir, fechou as portas para a colaboração internacional e foi humilhado em todo o mundo quando a verdade aos poucos vazou entre os poros da democracia, tudo em nome de uma "supremacia" ilusória.



Porque o regime comunista termina como o grande vilão de Chernobyl, com seus burocratas despreparados alocados em cargos-chave na máquina estatal, que até o fim se recusaram a enxergar a seriedade do desastre, mandando centenas de jovens para a morte ao tentar conter o derretimento iminente do núcleo radioativo – caso o resultado fosse outro, estaríamos vivendo em um mundo envenenado. A cada nova cena, são as paredes cinzas da burocracia e do fanatismo por um regime falido que ameaçam anabolizar as consequências da catástrofe. Craig Malin amarra os fatos com maestria, criando um drama pesado (o clima é ainda mais denso com a trilha opressora de Hildur Guðnadóttir, violoncelista que conseguiu traduzir em música o sentimento sufocante da Cortina de Ferro) que caminha lentamente para um triunfo no qual ninguém foi realmente o vencedor.

É fato que a própria Rússia jamais seria capaz de produzir algo tão contundente e realista como Chernobyl, visto que sua democracia do novo século nunca deixou de ter um pé no autoritarismo dos camaradas. É preciso desapego e distância para apontar dedos e mostrar que um regime apoiado em intimidação militar, que vivia uma queda de braço com a outra superpotência durante a Guerra Fria, os Estados Unidos, escondia na verdade um grupo de burocratas mentirosos, dispostos a sacrificar centenas de milhares de vidas para não revelar seus próprios fracassos. É com essa visão que a série alterna diálogos técnicos com sequências memoráveis, em que a maestria técnica de seus realizadores cobre com beleza um dos momentos mais sombrios da história da humanidade. O resultado, por fim, é uma das melhores séries já criadas para a TV em todos os tempos, um testemunho e um alerta sobre a fragilidade, o ego e a estupidez daqueles que detém o poder. Um espelho incômodo para todos nós.


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